[Publicado do "Diário do Minho" de 2000.04.17]

A destruição das Sete Fontes
(cenas do próximo capítulo)
O Conselho Directivo da ASPA

No momento em que o governo português anunciou publicamente ao país a implementação de um vasto programa de reabilitação do tecido urbano e da qualidade de vida nas nossas cidades, partindo do pressuposto de que é necessário e urgente melhorar o ambiente, preservar os espaços verdes de maior valor existentes; criar novas áreas de lazer, salvaguardar o património cultural; etc., etc., em Braga, um dos conjuntos que tem a particularidade de reunir todas estas valências em simultâneo, continua ameaçado irremediavelmente de se perder. 

Apesar de as Sete Fontes terem sido objecto de um pedido de classificação ao IPPAR, há cinco anos a esta parte, de acordo com os trâmites legais exigidos nesta matéria; apesar da Câmara Municipal de Braga ter mencionado o assunto em sede de revisão do Plano Director Municipal; nada de substancial se passou até ao momento. Continua a não existir qualquer plano de pormenor para o local, subsistindo as orientações danosas para o futuro deste património que são visíveis na planta de ordenamento da referida revisão. Por outro lado, sabendo o IPPAR que as autoridades locais se manifestaram publicamente no sentido do complexo ser preservado, estranha-se que, passado este tempo todo, não fossem ainda tomadas quaisquer medidas de avanço sobre a fase de «abertura do processo». 

Neste sentido, porque em Braga o tempo tem sido o melhor aliado da impunidade e da dissolução da primazia do interesse público, a ASPA, dentro dos condicionantes informativos de que dispõe e das tentativas de boicote de que tem sido alvo, dirige-se a todos os bracarenses no sentido de esclarecer o assunto e de abertamente divulgar o parecer que envia para as entidades competentes. 

A recente revisão do Plano Director Municipal de Braga (PDMS) de Novembro de 1999, da responsabilidade dos serviços técnicos da Câmara Municipal de Braga, cujo projecto foi publicamente apresentado em finais desse ano, tendo o inquérito público decorrido até sensivelmente ao final da primeira quinzena do mês de Janeiro de 2000 e que, de momento, aguarda aprovação superior, põe em causa não só a sustentabilidade, como a preservação do complexo de abastecimento de água à cidade de Braga do século XVIII, denominado das Sete Fontes. 

Assim, ao arrepio dos procedimentos expectáveis e das cautelas recomendadas pelo processo de classificação em curso, aberto pelo IPPAR em Março de 1995, a Câmara Municipal de Braga, além de à posteriori ter projectado a abertura de uma via de circulação variante, com duas faixas de rodagem a sobrepor um dos elementos mais significativos do sistema, incluiu também a maior parte do referido complexo das Sete Fontes na rubrica dos espaços urbanizáveis. Como fundamento destas afirmações, recomenda-se a consulta da folha B3.3 da planta de ordenamento, subscrita pela Divisão de Planeamento Urbanístico da Câmara Municipal de Braga. 

Após levantamento efectuado no terreno dentro das condições de acesso possíveis - infelizmente limitadas por não podermos contar com a colaboração dos serviços públicos responsáveis pela sua manutenção, que inclusive ignoraram o nosso pedido de visita guiada ao local - foi-nos entretanto possível fazer o seguinte ponto da situação: 

1. De entre todos os elementos que compõem o referido sistema; pontos de junção das minas de água; estruturas edificadas aéreas; galerias subterrâneas; e condutas em pedra capeadas; que se estendem, no seu conjunto, por cerca de 3.500 metros, o PDMB apenas identifica com a qualidade de zona de protecção a património arquitectónico ou arqueológico classificado ou em vias de classificação 6 das estruturas edificadas à superfície (vid. planta em anexo n.os 1, 2, 3, 6, 7 e 8). 

2. Atente-se, porém, que, das seis estruturas aéreas edificadas, consideradas em vias de classificação, cinco encontram-se localizadas em área denominada de espaços urbanizáveis (vid. planta em anexo n.os 2, 3, 4, 6, 7 e 8), com a agravante de não se encontrarem abrangidas por qualquer plano de pormenor. Ainda assim, o círculo delimitador de protecção que envolve os elementos apontados tem um raio de influência uniforme, isto é, igual aos demais existentes que, neste contexto cartográfico, surgem com o mesmo fim indicado noutros lugares. Este facto leva-nos a supor que o referido círculo não se configura como uma área de protecção propriamente dita, mas, tão somente, de uma referência de localização. 

3. A estrutura edificada n.° 2 (vid. planta em anexo) que ostenta, na padieira da entrada que lhe dá acesso, uma pedra lavrada com as quinas de Portugal, e onde se dá a junção de duas minas de água numa pia em cantaria, tem previsto passar sobre ela uma via de circulação com duas faixas de rodagem. 

4. Duas das estruturas edificadas áreas, identificáveis pela sua forma cilíndrica, assente numa base circular, ambas constituídas em blocos de cantaria aparelhada (estrutura cilíndrica com cerca de 2,5 metros de altura X 1 metro de diâmetro e a base com 2,5 metros de diâmetro) não se encontram sequer referenciadas e estão fora de qualquer círculo de protecção (vid. anexo n.os 4 e 5). 

5. A totalidade das galerias subterrâneas e as condutas de pedra capeadas que conduzem as águas, não são objecto, na citada planta, de qualquer referenciação concernente à sua preservação; encontrando-se inseridas, na sua maior parte, em espaço urbanizável e, além disso, estão já desmanteladas em, pelo menos, dois trechos do seu percurso (vid. anexo A e B). 

Por estas razões, entendemos que o sistema de abastecimento de águas à cidade de Braga do século XVIII, denominado das Sete Fontes, continua ameaçado e corre um sério risco de vir a desaparecer, caso não sejam tomadas medidas eficazes e urgentes que, com coragem, possam dissuadir quaisquer veleidades daqueles que aspiram à sua destruição. 

Quando há notícia de que interesses imobiliárias se abatem vertiginosamente sobre o local, entendemos ser chegada a altura dos diversos responsáveis e entidades a quem cabe formular os destinos do património mostrarem a sua competência e profissionalismo, não se deixando persuadir por meras manobras de diversão. 

O sistema de Abastecimento de Águas à Cidade de Braga do Século XVIII - as Sete Fontes - vale pelo seu conjunto integral, não se podendo dissociar o valor tripartido dos elementos que o compõem, como a arquitectura barroca, os testemunhos da engenharia hidráulica setecentista e, sobretudo, a preservação do recurso ambiental e patrimonial que representam as suas águas (que ainda conservam a sua excelente qualidade!). 

Este facto impõe antes de tudo a elaboração de um plano de pormenor urgente que possa preservar e reabilitar todo o conjunto. A não ser cumprido este objectivo, só nos restará aguardar mais uma vez a destruição de um património que, sendo de todos os bracarenses, também o é de Portugal.
Planta das Sete Fontes - proposta PDM 1999/2000
1. Estrutura edificada área de junção de minas de água, com as armas do arcebispo D. José de Bragança, com data de 1752, na padieira da entrada - 2. Estrutura edificada aérea de junção de minas de água de acesso a um nível inferior, encimada pelas quinas de Portugal na padieira da sua entrada - 3. Estrutura edificada aérea de junção de minas de água, idêntica à n.° 1, sem de pedra de armas - 4 e 5. Estrutura edificada aérea, identificável pela sua configuração cilíndrica assente numa base circular, constituída em blocos de cantaria aparelhada (estrutura cilíndrica com cerca de 2,5 metros de altura x 1 metro de diâmetro e a base com 2,5 metros de diâmetro) - 6. Estrutura edificada aérea de junção de minas de água, com cúpula facetada em forma piramidal embutida na vedação de uma instituição de natureza religiosa - 7. Estrutura edificada área de junção de minas de água, idêntica à n.° 3, sem de pedra de armas - 8. Estrutura edificada aérea de junção de minas de água, com as armas do arcebispo D. José de Bragança, com data de 1744 na padieira da entrada.
A e B - Troço de conduta em pedra capeada actualmente desmantelado tramos existentes de galeria subterrânea ou conduta em pedra capeada… troço aproximado de galeria subterrânea ou conduta em pedra capeada.