[Publicado do "Diário do Minho" de 2000.05.01]

Para a história do Mosteiro de Tibães
Luís Costa

No Boletim da Biblioteca e Arquivo Distrital de Braga, II volume, pág. 16, lê-se a transcrição de um documento que diz «…o pequeno Couto de Tibães, (foi) doado aos Monges Beneditinos pelo Conde Dom Henrique e Dona Teresa em 1110…»

A partir de então o Mosteiro de Tibães, ou os seus monges, passaram a ter uma grande influência não só no seu couto como até em toda a zona do nascente Condado Portucalense, fomentando a agricultura e por arrastamento a revolução hidráulica com o aproveitamento da força da água dos rios e ribeiros, numerosos na região, que faziam movimentar as azenhas, serrações e lagares de azeite. 

Com os rendimentos que passaram a obter, de certo que principiaram por restaurar as ruínas do antigo cenóbio visigótico que, talvez tivesse sido destruído não só pelas sevícias do tempo, como pelas invasões sarracenas, que em pleno século VIII tudo devastaram e levaram à sua frente. 

Chegados ao século XVIII, os seus réditos deram azo a que os monges se lançassem a fazer uma obra de vulto que passou então a ser a Casa Mãe da Congregação. 

A Congregação Beneditina naquele Couto manteve-se até que pelo decreto de D. Maria II, emanada sob os auspícios do ministro António Joaquim de Aguiar, em 1834, veio extinguir as Ordens Religiosas, tanto no Continente, como no Ultramar Português. 

Uma das disposições desse decreto determinava que todos os religiosos seriam expulsos das suas casas, assim como os bens, moradias, foros, e todas as pertenças das Casas Religiosas passariam para a posse do Estado, o que veio a acontecer com o Convento de Tibães. 

Não cuidou o Governo de então de acautelar, como devia, essas vetustas casas, pois que em nada tendo contribuído para a sua edificação, seriam mais tarde vendidas, em seu proveito, ao desbarato ou até pura e simplesmente abandonadas. 

Não foi bem isto que aconteceu com o Mosteiro de Tibães. Foi, já depois de ter estado praticamente abandonado, sujeito a roubos e vandalismo, posto em praça pública para ser entregue a quem melhor oferta fizesse para a sua compra. Ridiculamente parece que a primeira proposta apresentada tinha por base a oferta de apenas uma libra, ou seja 4$500 reis!!! Não será certamente necessário dizer que essa proposta, por tão ridícula, foi imediatamente posta de lado. Por certo quem a fez julgava, baseado no dito então corrente de que ninguém devia comprar bens da igreja, pois se o fizesse teria que se haver com as penas do Inferno, e, como tal, ninguém apareceria na convocada praça e quem arriscasse por não acreditar em semelhante dito por um preço simbólico ficaria assim com um valioso património. 

Nova praça é marcada, e é essa que deu em parte razão ao escrito de hoje. Do Livro Copiador para correspondência expedida - Representações da Câmara de Braga - 1844-1869, à guarda do Arquivo Municipal, vemos que em 1864 - 25 de Abril, fol. 65 v. - se encontra a seguinte representação ao poder Real e que podemos afirmar que seria, possivelmente, a primeira reacção das autoridades bracarenses a favor da preservação do vetusto conjunto do Mosteiro de Tibães. 
«Senhor: o Mosteiro de Tibães é um edifício que pela sua colocação só pode desafiar a ambição dos arrematantes, para ser demolido, e vendidos para outras edificações os materiais de que foi feito. E será justo que se deixe assim aniquilar um monumento que fará honra a esta terra pelas recordações que encerra da laboriosa actividade - incansável zelo - e inimitável dedicação que aqueles Monges, os primeiros agricultores desta formosa Província souberam ser úteis à sua Pátria e ao seu semelhante? Por certo que não. Esta Câmara por isso suplica e espera que o Governo de Vossa Majestade mandando ficar sem efeito a ordenada arrematação e ouvindo depois as muitas razões de conveniência pública que ela se reserva fazer subir ao conhecimento de Vossa Majestade adaptará providência que satisfazendo a expectativa dos povos deste conselho, aparte a ideia da destruição daquele monumento secular. Deus guarde Vossa Majestade por muitos anos. Braga em de 5 de Abril de 1864. Vice-Presidente, Bento Miguel Leite Pereira, Vereadores…»

No entanto, parece que a representação ao Governo não surtiu o efeito desejado pelas autoridades bracarenses, pois a praça efectuou-se e o conjunto de Tibães foi vendido. Se a princípio a Casa Mãe Beneditina, agora na posse de um particular, ainda se conservou intacta por alguns anos, o que é certo é que ao longo de cento e tal anos ela se foi degradando, chegando aos nossos dias em deplorável estado - telhados a cair com infiltrações de água, sobrados esburacados, janelas e portadas a desfazerem-se - e pior de tudo é que grande parte do seu espólio - fontes, azulejos, pinturas dos abades que figuravam principalmente na sala do Capítulo - desapareceram pelo voraz apetite dos antiquários coleccionadores. 

De vez em quando, uma outra voz se levantava para que o Estado salvasse da ruína total o famoso monumento. Mas depressa era esquecida e tudo ficava na mesma. É justo lembrar aqui o nome do Prof. Doutor Aurélio de Oliveira, que com a sua tese de doutoramento, trouxe de novo à luz da ribalta o problema de Tibães, lembrando assim a acção dos seus membros, a sua contribuição para o desenvolvimento da agricultura neste local. Mas a última e verdadeira contribuição para que o processo de tomada de posse pelo Estado do Convento e respectiva cerca ficou a dever-se ao furtivo caso da compra, por parte da Câmara de Braga, para evitar a sua saída de Braga ou até do País, da fonte do Jardim da Estrebaria ou de São João, como também era conhecida e que durante alguns anos esteve a embelezar o Largo da Arcada.

Este facto deu como resultado uma forte reacção das forças vivas da cidade que, deste modo, tomaram conhecimento, in loco, do que se estava a passar com aquele monumento. O primeiro alerta foi dado por uma pequena notícia publicada no Correio do Minho; que deu como resultado a direcção da Aspa ter sido convocada pelo presidente da Câmara, que justificou a compra e logo garantiu que quando o Mosteiro passasse para a posse do Estado ou da Câmara a fonte voltaria ao seu lugar, estando desta maneira salvaguardada. 

E assim, em 1978, a fonte veio ocupar o largo da Arcada. Depois surgiram várias reuniões na Câmara, Governo Civil, Entidades de Defesa do Património (ASPA), Ministério da Cultura e outros interessados na conservação do Mosteiro. 

A Aspa organizou uma visita guiada ao conjunto arquitectónico de Tibães, sob a orientação do Prof. Doutor Aurélio de Oliveira, que teve uma adesão extraordinária. O sócio da Aspa, Dr. Ademar Santos, então colaborador do semanário Expresso, fez publicar neste jornal uma grande entrevista com os proprietárias do imóvel, a Associação de Cultura de Lisboa veio fazer com os seus sócios uma visita ao Mosteiro, Igreja e Cerca. Quer dizer, o problema que se confinava a Braga passou a ter repercussão nacional. 

Finalmente, depois de muitas diligências, chegou-se a acordo com o proprietário e todo o conjunto, em ruínas, passou para a posse do Estado, que logo principiou por restaurar os telhados e de seguida continuou com os interiores, o que ainda está a acontecer. 

Esperamos que a actual conservadora, Dr.ª Aida da Mata, coadjuvada pelos seus colaboradores, consiga levar a bom termo a tarefa que que lhe foi confiada e se possa ainda, um dia, o mais brevemente que for possível, ouvir por aqueles claustros os sons melodiosos do Cantochão ou do Canto Gregoriano executados por alguns monges.



Associado n.º 14 da ASPA