[Publicado do "Diário do Minho" de 2000.11.13]

Enquanto o camartelo destrói implacável o Palacete…
José Moreira

Em 2 de Outubro findo, neste mesmo espaço, fiz publicar o meu protesto inserto num texto que intitulei «Continua em Braga a «sinistra noite» do fachadismo!» sobre a destruição que, pouco tempo antes, tinha sido iniciada no palacete do Largo da Senhora-a-Branca, popularmente conhecido por de Matos Graça. Esse protesto apaixonado provocou reacções em cadeia, mas a fogueira esmoreceu e a mutilação continuou impune no indefeso bem patrimonial.

Os nossos olhos continuam a verificar as dimensões desse atentado e a nossa inteligência é agredida quotidianamente pela prevalência dos negócios sobre as prerrogativas da memória. Esta é, definitivamente, uma sociedade em que tudo está à venda e tudo é provisório. Já não é possível distinguir claramente o que é de interesse público e o que e de interesse egoísta privado. A que lamentável estado chegou a nossa vida colectiva e que repugnância nos causa esta deliberada confusão, esta ditadura disfarçada de liberdade, esta mentira propagandeada como verdade irrefutável, esta rasteira política do facto consumado. E que esforço indulgente tenho de fazer para assistir impotente a esta aliança do sim e do não e por poder registar as feias engrenagens dos interesses pessoais a quererem passar por atitudes respeitáveis. Como este espectáculo me dói na alma.

Naquele texto, que quis deliberadamente pudesse atingir o povo inerte desta terra, que assiste impávido à descaracterização da fisionomia dos bens comunitários, não quis fazer erudição. Disso resultou uma imprecisão que agora desejo ressalvar: O Palacete não é de Matos Graça mas de Rocha Vellozo. E enquanto o camartelo inconsciente e implacável destrói o moribundo Palacete, como nota de um pranto por ele, vou dedicar-me agora a concorrer com alguns subsídios para se fixar a sua história, porque nada já será nunca mais, como antes. Avivar a memória daquele monumento do património construído local, fundamentar a sua filiação como casa de brasileiro, pôr em relevo os aspectos dos antecedentes humanos a que a casa está ligada - isto feito com atenta pesquisa e procurado apoio documental. E o contributo que posso dar - também à Câmara Municipal de Braga para que possa juntar esse contributo às fotografias que mandou fazer e que apenas atestam o «crime» cometido contra a multímoda profusão dos seus elementos artísticos, alguns dos quais foram já publicados e são bem expressivos, e os que hoje também procuro ilustrem este novo texto.

O Palacete pode designar-se com segurança de Rocha Vellozo, porque foi este brasileiro de torna-viagem que o mandou edificar, com a magnificência decorativa que era apanágio desta estirpe. Que Manoel da Rocha Vellozo era brasileiro de torna-viagem atesta-o a certidão do seu casamento com sua sobrinha - ele com 41 anos e ela com 17 - D. Maria Amélia da Rocha Vellozo, celebrado no dia 15.07.1871, em São Paio de Merelim, onde residia. O casamento fez-se por procuração, porque «o nubente estava ausente no Império do Brasil». 

Desta união nupcial nasceu uma filha, D. Mariana da Rocha Vellozo, em S. Vítor, Braga, em 19.09.1886, e casou em 20.10.1902 com José Luís Matos Graça. (Um breve parêntesis para se estabelecerem as origens desta família: Manoel José Gomes, da freguesia da Graça, cavaleiro da Ordem de Cristo e negociante na Póvoa de Varzim, casou com D. Amélia Luísa Miranda de Matos, sucessora da casa do Benfeito, em Barcelos - eram estes os pais daquele. Esta a expressão documental sobre as origens dos Matos Graça, que começaram por ser Matos, da freguesia da Graça). 

Deste casamento resultou a descendência seguinte: D. Maria Amélia Velozzo Matos Graça, que nasceu em 09.01.1904 e casou com Francisco José Arteiro, de Amorim, Póvoa de Varzim; D. Maria Luísa Velozzo Matos Graça, que nasceu em 06.07.1906 e faleceu em 14.03.1910; e D. Maria Deolinda Vellozo Matos Graça, que nasceu em 07.08.1908 e faleceu 28.02.1929. 

D. Mariana da Rocha Vellozo Matos Graça passou as segundas núpcias em 29.01.1916 com José Lucilo de Araújo e desta união não houve geração. 

Voltando ao brasileiro de torna-viagem Manoel da Rocha Vellozo, que era comendador da Ordem de Cristo, comprovou-se que beneficiou de um breve apostólico para poder ter capela em sua casa - capela que se documenta com uma fotografia tirada há dias de um pormenor da mesma - o que atesta que o seu Palacete da Senhora-a-Branca, agora em destruição deliberada, foi construído na segunda metade do século XIX. 

Este abastado proprietário viveu na Casa Grande da Senhora-a-Branca, onde lhe nasce a primeira e única descendente, como já ficou dito (Conf. certidão do baptismo daquele descendente). Essa Casa Grande devia situar-se, à ilharga do lado Sul da igreja de Nossa Senhora-a-Branca, de que recordo ter conhecido uma significativa casa agrícola, onde estão situadas agora as instalações da garagem «Jonova». Isto é mera hipótese. Mas vejamos o que se pode colher dos documentos sobre a história próxima da Casa Grande. 

Aquela foi pertença dos Magalhães Araújo Costa, que nela viveram desde os meados do século XVI. No século XIX era senhor daquela, por sucessão, Sebastião José de Magalhães Araújo Costa, que igualmente era proprietário da Quinta do Sobrado, também situada na Senhora-a-Branca, e da Quinta da Soutinha, entre outras. Naquele tempo, todo o espaço compreendido entre a Senhora-a-Branca e a Avenida Dr. Porfírio da Silva era eminentemente rural. Sebastião casou-se, em São Vítor, em 14.10.1830, com D. Rita da Graça de Vasconcelos, da Casa do Tanque (actual Paço Arquiepiscopal). Tendo sido alferes dos Voluntários realistas de Braga - como, aliás, o seu irmão António de Magalhães -, derrotado que foi D. Miguel, sentiu o infortúnio da perseguição - como muitos seus correlegionários - movida pelas autoridades liberais vitoriosas, que decretaram o sequestro dos seus bens. 

Nas «Memórias» do Dr. José Vieira Gomes (o Dr. Chasco), relativas ao ano de 1834, a folhas 12, lê-se: «(…) Receosos os colaboradores maquinaram o sequestro da Casa Grande por ser seu proprietário Sebastião de Magalhães, oficial dos Voluntários (…)». Este morreu pobre no Hospital de São Marcos. Os seus bens foram vendidos em 1871, para pagarem dívidas à Fazenda Nacional, mas a Casa Grande poderá ter sido alienada antes do ano de 1871. 

Neste século, que saibamos, o Palacete Rocha Vellozo foi habitado pela Ordem religiosa das Adoradoras e, muito mais tarde, passou a integrar o património do Ministério das Corporações (?) acolhendo, primeiro, os Serviços Médico-Sociais da Previdência e, depois, um dos Centros de Saúde da cidade de Braga. Até que foi alienado e adquirido por alguém com o fito de tornar rentável o nobre espaço que agasalhava a sua grandiosidade arquitectónica. Semelhante critério, ao concretizar-se, empobreceu o exíguo património cultural pela destruição irreparável de numerosos bens de valor artístico significativo. 

Aquele objectivo contou com a complacente autorização da edilidade bracarense que, deste modo e mais uma vez, colaborou, por omissão, na destruição do património arquitectónico da cidade de Braga.



Associado n.º 173 da ASPA


Património desta qualidade e beleza foi esquartejado pela fúria modernizante e pelo rendimento imobiliário mais iconoclasta.


Estuques como já não existem, sacrificados à «modernidade» do betão bruto.